Imagine que extraterrestres desembarcassem na Terra em um clima amistoso e se propusessem a dividir sua tecnologia conosco. O problema é que, por mais conhecimento que eles pudessem ter, a falta de familiaridade com o ser humano dificultaria a produção de seus artefatos modernos em nosso planeta.
Agora substitua os extraterrestres pelos chineses e considere a tecnologia não tão avançada assim. É assim que a China se encontra hoje em relação à indústria automobilística. Sem referências anteriores, as dezenas de marcas chinesas fazem de tudo: de Audi e BMW a carros descartáveis e perigosos. O mercado interno, sem igual no planeta, absorve um em cada quatro carros produzidos no mundo, mas o cliente chinês não tem uma opinião formada já que muita gente anda comprando seu primeiro carro com 40 anos ou mais.
Laboratório
Isso explica porque seus produtos ainda causam desconfiança nas pessoas, ainda mais no Ocidente, onde o consumidor dos principais mercados já sabe muito bem o que quer e o que não quer. Poucos países, no entanto, têm recebido as marcas chinesas com as portas abertas como está fazendo o Brasil. Na Europa e nos Estados Unidos, eles mal existem, que dirá no Japão, país em que as montadoras locais são quase exclusivas.
Nosso país, aliás, vive fase diametralmente oposta à China: possui uma indústria automobilística tradicional e experiente, mas nunca incentivou o surgimento de marcas genuinamente nacionais. O resultado é que o Brasil virou uma espécie de laboratório para as montadoras chinesas, que usam o feedback do consumidor daqui como referência para melhorar seu padrão de fabricação.
Foi o que aconteceu com a JAC, uma das quatro montadoras independentes da China. Trazida pelas mãos de Sérgio Habib, o ex-representante da Citroën no Brasil, a Jianghuai Automobile Co. praticamente não tem vida fora do país – em 2010 exportou apenas 21 mil veículos para mercados próximos.
A oportunidade de disputar o mercado brasileiro foi providencial para que ela revisse seus conceitos de produção, necessidade que o empresário brasileiro fez questão de priorizar. Por isso o contato com o J3, o primeiro veículo da JAC a ser vendido no Brasil, surpreende.
De todos os chineses vendidos aqui até agora ele é de longe o mais preparado. A marca diz que 242 itens foram alterados para agradar o paladar do brasileiro, incluindo também a correção de alguns defeitos identificados nos mais de 200 mil km rodados em nosso território nos últimos meses.
Na prática isso se reflete num motor mais potente em cerca de 10 cv, na suspensão mais firme, num interior em tons de preto e cinza e até no material dos bancos, que usam uma espécie de veludo em vez do tear, um tecido mais simples e ideal para o clima quente do país. Habib e sua equipe foram além e trocaram detalhes como as palhetas dos limpadores, as cores da iluminação interna e a quantidade de alto-falantes do carro para oferecer um produto superior aos concorrentes nacionais.
Base original
Mas talvez a melhor característica do J3 seja sua originalidade, uma palavra ainda com pouco uso na China, acostumada às cópias de produtos estrangeiros. Desenhado pelo estúdio Pininfarina – que cria modelos da Ferrari, entre outros -, o J3 tem identidade própria e um visual coerente embora não tão atrativo. Debaixo do capô está um eficiente motor de alumínio com duplo comando variável de válvulas com 108 cv. Para se ter uma idéia, essa configuração é inédita entre os compactos e minoria entre os médios. Já a suspensão traseira, com dois braços, é item raro mesmo em carros maiores – o Corolla, por exemplo, usa uma estrutura mais simples.
Com acabamento mais moderno, que usa plásticos com superfície trabalhada, e lista de equipamentos generosa, o J3 quer brigar no Brasil com compactos como o Agile, Fox, Sandero, Fiesta e Peugeot 207. Para isso, o hatch traz de série ar-condicionado, trio elétrico, direção hidráulica, rádio com entrada USB e MP3, seis alto-falantes, airbags duplos, freios ABS com EBD, rodas de liga-leve com 15 polegadas, faróis de neblina, keyless e até sensor de estacionamento traseiro.
Um dos itens que nos chamaram atenção foi o ar-condicionado eletrônico. Em vez de botões pesados, o J3 possui um conjunto leve e preciso, porém, analógico. Apesar de Habib ter dito durante o lançamento que o “J3 é completo” faltam alguns detalhes no modelo, entre eles, ajuste de profundidade no volante, ajuste de altura do banco, computador de bordo e uma trava central das portas.
Bom fôlego
Durante os primeiros 250 km que o iG Carros rodou com o J3 – o modelo ficará durante algum tempo sendo testado -, a experiência mostrou-se positiva. O carro tem força suficiente para encarar uma estrada com mais pessoas a bordo e tem agilidade no trânsito do dia a dia graças ao motor com comando variável, que oferece torque adequado a partir de 1.800 rpm. A posição de dirigir é um pouco alta, mas a disposição dos equipamentos é adequada e os bancos, confortáveis.
O espaço no banco traseiro também está acima da média para o segmento, ajudado pelo túnel central baixo. Até aqui, os pontos negativos ficam por conta da dificuldade em soltar a alavanca de ajuste de altura do volante e o barulho incômodo que o mecanismo de abertura do vidro dianteiro faz ao chegar ao final do curso.
Vestibular
A JAC provou que tem um produto à altura dos concorrentes nacionais, obsessão de Sérgio Habib que disse não se preocupar com outros chineses: “meus rivais são as quatro marcas tradicionais, de quem vou tirar clientes”, explicou ao se referir a Fiat, Volks, GM e Ford. Mas o vestibular da marca chinesa começa no dia 18 quando os primeiros J3 serão entregues. Nas mãos do consumidor, o J3 provará se é confiável mesmo e barato de se manter, como a empresa fez questão de frisar. Se conseguir esse intento, o garoto propaganda Fausto Silva será um elemento dispensável se comparado ao boca-boca positivo dos clientes.